terça-feira, 16 de março de 2010

Latência (Ou, Do Latin, Patre)



O que tanto zelamos
na fileira dos dias,
o que tanto brigamos
para guardar, de repente
não presta mais: jornais, retratos,
poemas, posteridade.
Minha bagagem
é a roupa do corpo.
(Carpinejar)


Prenderam-no. Mas não com algemas. Prenderam-no naquela armadilha que se amarra atrás, aquele pano sem cor que me parecia por demais frágil em vista da personalidade que se lh'opunha. Escoltavam-no dois agentes do hospício, vestidos de branco, com as mãos apoiadas em seus ombros. Ele não se revoltou quando chegaram, não elevou o tom quando o vestiram e nem ao menos se manifestou quando o levaram. Saiu andando pacífica e calmamente pela calçada, sob a neblina.
Era noite e eu, como um vulto, via tudo isso acontecer; atento a cada detalhe, mas sem me deixar ser pego. Eu provocara aquilo e essas palavras reverberavam e doíam em cada uma das minhas terminações nervosas, repetidas pela minha consciência. Então, coloquei-me na varanda, olhando sorrateiramente sobre o muro, para certificar-me de que o estavam levando. Sua cabeça tornou para trás enquanto andava, como desparafusasse do resto do corpo, vagarosamente. Ele tinha aquele olhar inenarrável, com as pálpebras baixas e as pupilas altas - aquele olhar que só os psicopatas e a Patrícia Pillar sabem fazer. E mirava meus olhos com os seus. Fuzilava-me. Era impossível que soubesse que eu estava ali, mas ele sabia.

...


Passaram sob a última lâmpada que eu conseguia ver e nem ao menos havia mexido seus olhos. Aos poucos, as sombras dançaram, correram pelo chão, viraram-se e postaram-se à frente deles. Como eu sonhasse com tudo aquilo, de repente a neblina engoliu toda a cena em que eu me inseria, as luzes pareceram se apagar e eu não vi mais nada. Fiquei ali, cego e atordoado, sem saber que destino dariam ao homem que ameaçara acabar com a minha família, matando cada um, inclusive ele mesmo. Aquele homem: o meu pai!

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