quinta-feira, 18 de abril de 2013

Muda

~EarthHeart @ deviantart.com



_ Sonhos! Sonhos! Dois pelo preço de um. Sonhos! - o homem gritava, impaciente, tentando chamar a atenção de todos que passavam na esquina. Alguns poucos esfomeados olhavam, na esperança de encontrar sonhos de padaria; outros, reparavam as sobrancelhas levemente arqueadas ou a extravagância do longo paletó enxovalhado do vendedor, sem interesse pelo produto; a maioria desviava o olhar e seguia seu caminho.
_ Sonhos! Sonhos e mais sonhos! Uma noite inteira de sonhos pela metade do preço. - ele insistia, sem sucesso.
_ Sonhos! Dois pelo preço de um. Todos os seus sonhos aqui!

Sob o sol forte da tarde, Ana passava na rua. A barra de seu vestido de seda azul acariciava seus joelhos enquanto dançava com o vento. Concentrada, ela via toda a agitação das pessoas, dos carros, das coisas, mas só pensava no que deveria fazer.
_ Sonhos!
Via, mas não enxergava nada que estava fora de sua cabeça.
_ Sonhos, só aqui!
Repensava o dia anterior e as tarefas de amanhã.
_ Uma noite inteira de sonhos!
Desencontrava seu andar enquanto tentava programar seus passos.
_ Sonhos, sonhos e mais sonhos!
Tropeçou.

_ O que essa banca de nada está fazendo no meio da rua, meu senhor? - ela indagou.
_ Mil desculpas, senhorita. Estou vendendo sonhos, não quer comprar um?! - ele respondeu enquanto a ajudava a se levantar.
_ Como é que se compra um sonho?
_ Dê-me uma moeda e eu te dou dois sonhos: estão na promoção.
_ Mas como posso levar dois sonhos se nem ao menos os tem expostos para eu escolher quais quero?
_ Os sonhos têm que ser sonhados por você. Comigo, assumirá apenas o compromisso de sonhá-los.
_ E de que adianta, então, comprá-los se eu posso me deitar agora mesmo aqui no chão e sonhar vários sonhos sem te dar moeda alguma? Isso é um abuso!
_ E não o é a própria vida?! Se insiste que pode sonhar com tal facilidade, esteja à vontade para começar. Eu a desafio.
_ Não preciso provar nada a ninguém, mas vou mesmo assim. - e, deitada no chão, Ana fechou os olhos.

_ Sonhos! Sonhos! Sonhos!
_ Ei, não posso dormir se o senhor continuar a berrar. E não posso sonhar se não puder dormir.
_ E que devo fazer então enquanto espero a boa vontade de seus sonhos?
_ Calar-se!

_ Sonhos! Dois pelo preço de um!
_ Desisto. O que o senhor fez para me privar de sonhar?
_ Eu não fiz nada. Diga-me qual foi seu sonho mais recente.
_ Não me lembro...
_ Ora... E o que você faz? O que vive? Que sonhos persegue, se não tem sonhado?
_ Não sei.
_ Pois é por isso que vendo sonhos. Quem gasta algum tempo pensando em sonhar já é um pouco resgatado.

Ao ver a menina atônita a encará-lo, o homem completou:
_ Vá. Seus sonhos de hoje serão por conta da casa.
Ana seguia seu caminho, com o vestido sujo ainda esvoaçando. Vagarosamente, os gritos do homem emudeciam:
_ Sonhos! Sonhos...

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