sexta-feira, 28 de maio de 2010

... mas acabou.



Ao final da entrevista, perguntado sobre as assinaturas jamais vistas em seus trabalhos, respondeu naturalmente, dando, por último, um sorriso:

_Não assino por não saber quem foi que escreveu aquilo que se lê, aquilo que se mastiga entre a língua e o céu da boca, numa decomposição vagarosa e letárgica como a febre que acomete os mais bem trancados depósitos de adrenalina instalados cautelosamente na alma de um ser. Não assino por não ter um nome, não, sim. Sou como a sombra do meio-dia no Equador: eu existo nas profundezas daquilo com que me mascaro, dessa inexistência tão espetacularmente conhecida e ignorada propositalmente - essa inexistência que existe mais do que qualquer outra coisa. Não assino por não ser necessário saber quem agrupou as palavras que se lê, contanto que essas mesmas palavras sejam capazes de ler o leitor. Não escrevo realmente, sinto. E é esse sentimento que escorre pelos meus dedos, deveras inaptos, de mim para todos os que realmente merecem. Codifico o que o mundo me imprime, nada mais. Não assino, portanto, porque não há que se assinar o que não se escreve. Desacredito no que faço tanto quanto na veracidade de fazê-lo. Viver pra mim é um sonho que está sempre beirando o fim; escrever não é diferente. Obrigado.

2 comentários:

luisfilipe disse...

ótimos textos, e obrigado pelo selo!

Monique Burigo Marin disse...

Sem dúvidas este é um dos melhores que já li aqui. Deixou-me muda por alguns instantes, mas agora que recuperei a voz, preciso deixar registrado ao menos parte do que penso. Penso que o autor é instrumento. Ou pelo menos é assim que me sinto. Pergunto-me, portanto, se tomo atitude correta ao assinar aquilo à que pertenço. Ainda que de algum modo, também as palavras me pertençam em grau menor. Por fim, acho justo terminar com uma frase da Clarice: "Sobretudo tenho medo de dizer porque no momento em que tento falar não só não exprimo o que sinto como o que sinto se transforma lentamente no que eu digo."