quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Jeté dans la tourmente



_Tchau – disse ele ao telefone.
_Tchau – disse a voz doce, cruel, cínica e sedutora do outro lado.
_Boa noite.
_Boa.
_Eu preciso desligar. Sério. Até mais... Você está aí?
_Claro. Até.
_Bons meses que virão.
_Boa reencarnação – soou a voz, categórica na afirmação.
Perdido, o primeiro dos interlocutores deu com a mão no botão de encerrar a ligação no protótipo de celular que segurava. Ainda não entendia bem por que tinha comprado aquele inconveniente falho, que mal funcionava. Distraiu-se assim, e se esqueceu de pensar no que ficara por dizer àquela hora, ao telefone. Perdeu-se do sentimento de raiva que lhe invadia. Fácil. Era disso que havia sido chamado. Fácil. E agora isso: “boa reencarnação”... Não fosse a decepção que o tomava diante da sua incompetência na escolha do aparelho que portava, pensaria seriamente na possibilidade de ligar para aquela voz do outro lado da linha, na ligação então já encerrada, e dizer toda a verdade que se-lhe pusesse em ponta da língua. E sua língua tinha uma longa e afiada ponta, não surpreendente se fosse de diamante, resistentíssima. [In]Felizmente, ele só a sabia usar quando estava concentrado e isso nunca acontecia quando envolvia assuntos do coração.
Decepcionado era como se sentia. Por que comprara aquilo? O pai prometera um celular, mas ele não queria aquele, era grande demais. Talvez por isso fosse melhor. Contentava-se em admirar o instrumento que só fazia torturar-lhe. Observava-o. Era ele a causa de tudo. ELE! E as pessoas da rua assustaram-se quando o corpo tomou a calçada, caído do céu. Estavam ambos esfacelados – ele e o celular -, de forma que nunca mais voltariam. Tinha tudo que se queixar. Tinha tudo. E jamais sentira-se completo por coisas ou pessoas. Esquecera-se tanto de si, apesar de - só - pensar em si. Ou por isso. Era só “uma pobre alma lançada num turbilhão” que não entendia, tampouco sabia sair. E não reencarna-se. Não no mesmo tempo, não para as mesmas pessoas. Morrera! Morrera para o mundo. Restava-lhe, onde quer que fosse, ele e a falsa ideia de companhia que proporcionava-lhe o aparelho de telecomunicação sem utilidade. Carregava consigo, ainda, a certeza de que haviam-no perdido; e não o contrário. E era essa certeza que o mantinha vivo.

Nenhum comentário: